quinta-feira, 16 de julho de 2009

Manifesto pede democratização de emissoras públicas

Mariana Martins, para o Observatório do Direito à Comunicação
15.07.2009


Mais de 40 músicos, produtores musicais, compositores e ativistas políticos participaram na última segunda-feira (13) da caravana organizada de Fórum Permanente da Música de Pernambuco (FPMPE) para entregar a representantes do Poder Público o manifesto “Cultura e Comunicação”, que pede a democratização dos veículos de comunicação geridos por órgãos públicos no estado. O documento mira as rádios e TVs do governo do estado, da prefeitura do Recife e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

A luta dos artistas pernambucanos é antiga e tem como ponto principal tornar democrática e participativa a gestão de veículos públicos explorados pelo Poder Executivo ou autarquias ligadas a ele, como no caso da UFPE. Outro objetivo central é dar vazão à produção cultura do próprio estado. Segundo Sara Nascimento, do Sindicato dos Músicos de Pernambuco, entidade que compõe o FPMPE, “Pernambuco não se vê, não se ouve e não se conhece”. “Não há espaço para a produção de Pernambuco nas rádios, a não ser alguma coisa de forró e que foi conquistada com muita luta”, comenta.

No Recife, existem quatro emissoras públicas: duas rádios e duas televisões. As duas rádios, uma AM e outra FM são de gestão da UFPE, assim como uma emissora de televisão, a TV Universitária, que é a emissora pública com maior audiência no estado. A outra emissora pública de televisão, a TV Pernambuco, ligada ao governo do estado, durante os anos 80 e 90, funcionou em canal VHF e apresentava em sua grade de programação bastante produção cultural e informativa local. Hoje, é transmitida na faixa UHF, o que dificulta a sintonização em várias localidades, e tem pouca produção local.

Segundo Eduardo Homem, produtor da TV Viva e um dos articuladores da caravana, “durante o governo de Miguel Arraes, a TV Pernambuco, ainda em canal VHF, funcionou como produtora de conteúdo local porque houve investimento, mas também não poderia ser considerada uma emissora pública participativa, porque não havia total abertura para a produção independente”. “No governo de Jarbas Vasconcelos, o canal em VHF foi repassado para o Diários Associados e a TV Pernambuco passou a funcionar em UHF sem produção e sem audiência”, relata.

A atual gestão de Eduardo Campos iniciou nova discussão sobre a TV Pernambuco e esperava-se tratamento diferente do Executivo para com a emissora. Contudo, Campos não aderiu de imediato às expectativas de fazer a TV voltar a produzir e também de ser um espaço mais democrático, e esfriou as esperanças de mudança na estatal.

Na avaliação de Eduardo Homem, foi bastante positiva a conversa da caravana com o secretário estadual da Casa Civil, Ricardo Leitão. O secretário comprometeu-se em discutir com o coletivo de músicos e artistas um novo modelo para TV Pernambuco espelhado no modelo da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), projeto que já está em andamento dentro do Executivo.

“Existe por parte do governo do estado a idéia de se criar a Empresa Pernambucana de Comunicação, a Empecom, nos moldes da EBC/TV Brasil e eles já nos passaram a minuta desse anteprojeto”, disse Homem. “Para nós, isso já é um avanço, porque queremos participar da gestação desta empresa, poder dar idéias de como ela deve funcionar para ser pública e democrática e não só saber o que eles pensam quando tudo já está pronto.”

A avaliação do apresentador Roger de Renor, um dos organizadores da caravana, em relação ao encontro com o governo do estado também foi positiva. Para Renor, o canal de diálogo que foi aberto é importante. “Acho que a gente conseguiu colocar a discussão na rua. Já existe resposta do governo do estado e também do diretor da TVU [emissora gerida pela UFPE), Paulo Jardel, que lançou uma nota já se posicionando sobre essa articulação. Isso já foi importante. Nos resta agora tornar ainda mais pública essa discussão.”

Roger de Renor questionou, entretanto, a receptividade da prefeitura do Recife. “Na prefeitura, não fomos atendidos nem pelo prefeito João da Costa, que estava em Brasília, nem pela chefe de gabinete, nem pelos secretários de cultura ou de comunicação. Conversamos com uma pessoa e protocolamos o documento e um pedido de audiência. Na entrada, fomos recebidos por várias guardas municipais que se multiplicavam isso foi muito ruim.”

A prefeitura do Recife não tem ainda nenhuma veículo, mas um projeto de lei que cria a Rádio Frei Caneca, uma concessão de rádio para o município, tramita há anos no Congresso Nacional sem muito sucesso. Apesar de ser ainda um projeto, foi inicialmente a discussão sobre a Rádio Frei Caneca que deu vida ao movimento em torno de publicização das emissoras geridas pelo poder executivo.

Existem documentos de dez anos atrás, nos quais esse mesmo grupo que conformou o Fórum Permanente, discutia a Rádio Frei Caneca, inclusive com participação do atual secretário de Cultura do município, Renato L. Contudo, as discussões sobre a rádio foram esmorecendo e ainda não há uma previsão de quando a rádio vai sair do papel.

A caravana não conseguiu chegar até o seu destino final, a reitoria da UFPE, onde entregariam também ao reitor Amaro Lins o manifesto e pediriam maior transparência e participação na reforma do núcleo de rádio e TV da universidade. Um projeto para gestão dos veículos universitário está sendo preparado pela atual gestão da reitoria, mas sem a participação da sociedade o que também está sendo questionado pelo grupo.

Para Rosário de Pompéia, do Centro de Cultura Luiz Freie e membro do Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom), a articulação dos músicos e artistas em torno da discussão das emissoras públicas é muito importante e veio em uma hora muito propícia em que a sociedade e o Estado começam a debater a primeira Conferência Nacional de Comunicação.

“Esse reforço dos músicos e artistas na nossa luta por um sistema público democrático e plural veio a calhar com a nossa articulação pró-Conferência de Comunicação no estado”, comentou. “Com certeza vamos poder intervir de forma muito mais qualificada nos espaços da conferência estadual de comunicação [que é uma etapa da nacional] no que diz respeito a publicização das emissoras e também do conteúdo a ser veiculado por elas. Discutir a formação de conselhos gestores participativos para as emissoras públicas, que é também uma forma de controle público, é fundamental. A nossa luta está só começando.”

Leia o manifesto na íntegra:

“Manifesto Cultura e Comunicação

Pernambuco é um território que tem uma produção cultural rica e diversa, de excelência reconhecida nacional e internacionalmente na música, no cinema e no áudio-visual em geral, nas artes plásticas, em variadas formas de representação teatral, na dança.

Pernambuco tem o privilégio de dispor de meios de comunicação de massa estatais – dois canais de televisão com alcance potencial para cobrir grande parte do Nordeste; rádios AM e FM em funcionamento e concessão de rádio para se efetivar.

Entretanto, Pernambuco não utiliza esses canais para valorizar e incrementar sua produção cultural, seus artistas e técnicos, todo o universo humano, toda a atividade sócio-econômica que cerca o fazer cultural.

Esta realidade, daninha aos interesses do próprio Estado, tanto do ponto de vista econômico, como político, social e, por certo, cultural, tem motivado as pessoas abaixo relacionadas, algumas delas representantes de associações ou órgãos de classe, mas todas interessadas em colaborar para o desenvolvimento das artes no território pernambucano, a buscar o diálogo com representantes das diversas instâncias públicas responsáveis pelos canais de comunicação citados.

Deve-se anotar que houve o diálogo, no Palácio das Princesas, na Reitoria da UFPE, na sede da Prefeitura do Recife. Mas se deve ressaltar que nenhuma das providências aludidas nesses encontros resultou em fatos concretos. As razões nos são desconhecidas mas, aparentemente, o motivo principal é que uma política de comunicação aberta e praticada em conjunto com a sociedade não é efetiva prioridade das políticas e programas daquelas instâncias de governo e poder.

É, portanto, esta sensação que nos leva a tornar públicas nossa demanda e nossas propostas. A saber:

1. Criação de instâncias de discussão e elaboração de modelos de funcionamento da TV Pernambuco, rádios e TV Universitária, rádio Frei Caneca;

2. Que o modelo de gestão a ser adotado nesses canais de comunicação se espelhe no da Empresa Brasil de Comunicação, aperfeiçoando-o pela introdução de mecanismos mais democráticos de governança;

3. Que seja dado um prazo para que se efetivem as decisões, de forma inclusive a contemplar o calendário legislativo e orçamentário do Estado.

Repetimos que aos abaixo-assinados move apenas o interesse de contribuir para a dinamização da produção cultural de Pernambuco e para a democratização dos seus meios de comunicação públicos.

Recife, 25 de maio de 2009.”

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